quarta-feira, 22 de maio de 2013

A Espiritualidade Eclesial - Por Padre Matias Soares


O mundo vive uma época de divisões globais. Temos um tempo das tribos. As pessoas se agregam em redes e comunidades. Parece tão contraditório, mas acontece como fenômeno humano e digital. O humano toma forma instantânea e isto tornou complexo e alucinante o modo como as pessoas estão vivendo nos espaços e instituições. Com a relevância na e da racionalidade, foram deixadas ofuscadas outras dimensões da condição humana, como a importância de tudo o que é sensível e vinculante. A Igreja está neste contexto e não dispensa esses invólucros contextuais para falar e dinamizar sua ação evangelizadora. Necessita do diálogo com o mundo para que possa ser e viver plenamente a sua vocação, que é de evangelizar. Quando se faz uma leitura unilateral e tendenciosa do Concílio Vaticano II, principalmente do documento Gaudium et Spes, acontece de se pensar que a relação da Igreja com as outras realidades dispensa a primária preocupação que ela deve ter com aquilo que lhe é próprio e que configura sua mais digna e honrosa identidade.

A Igreja, num futuro, vai retomar o estilo primitivo de evangelização dos primeiros cristãos. Quando no tempo da Páscoa meditamos o texto dos Atos dos Apóstolos e o inserimos nas atuais circunstâncias como instrumento de interpretação, visualizamos uma Era da Igreja que não é tão nova e que cobrará mais uma vez uma atuação martirológica dos cristãos que exigirá uma postura de coragem e abnegação do individual para que seja fortalecido o que é de Deus para o mundo, a fim de que o que é do mundo possa experimentar o que é de Deus.

A Oração Sacerdotal de Jesus, no capítulo 17 do evangelista João, é um texto emblemático para a experiência cristã da atualidade e do futuro. Ou nós nos tornamos um como Ele e o Pai são Um, ou não conseguiremos nos fortalecer para testemunhar o Deus Amor na história humana. O mundo nos provoca e o faz porque estamos pecando contra a comunhão cristã e eclesial. Leiamos os capítulos 13-17 do mesmo evangelista e internalizemos o que é próprio dos Discípulos de Cristo, que faz com que as pessoas se sintam encantadas pelo que é de Cristo. Quando isto não acontece, o próprio Cristianismo e a Igreja tornam-se refém de facções. A divisão dentro do Cristianismo deu azo para que a fala sobre a “morte de deus” ressoasse em muitos lugares e fosse propagada como a grande afirmação da cultura moderna. Ainda levou, não só à relativização do que seja o conceito de dignidade humana e os valores inerentes ao decrépito; mas também a esta como objeto da técnica e das novas ideologias. O maior desafio com o qual a Igreja deve aprender a conviver na atualidade é o diálogo com as novas ideologias. Elas alvoreceram na modernidade, mas se radicalizaram na pos-modernidade e penetraram nas instancias eclesiais. Não só por serem fruto da subjetividade, mas porque esta dispensou nesta época sua relação com o real. As ideologias que fomentam os valores hodiernos são as maiores causas das divisões dentro da Igreja. Neste contexto, o que o Apóstolo Paulo disse à comunidade da Galácia (Gl 1,1-12) continua sendo de profunda atualidade. Não podemos ser traidores da Verdade de Jesus Cristo.

Hoje mais uma vez devemos fortalecer uma espiritualidade eclesial, que é essencialmente um sentimento com ação de unidade nas diferenças sem dispensar a Verdade, pois só ela nos fará livres (João 8,32). No Cristianismo, quando não há comprometimento com a Verdade de Cristo, a partir da Palavra de Deus e da sua Tradição, não é possível o acontecimento da comunhão. A modernidade cunhou a idéia da tolerância para sanar o problema das confusões de interesses. Isto não foi suficiente, nem funcionou; ainda mais com a manipulação exacerbada da verdade proporcionada na hipermodernidade pelos meios de comunicação a serviço de quem possui o poder econômico e ideológico.

A Igreja não pode trair a sua identidade, que está no coração de Deus. Não podemos conceber de outro modo que não seja uma atitude de Fé. Quem não a tem não se sacrifica pelo que é de todos e precisa ser de cada um que compõe esta Igreja. Na atualidade esta espiritualidade eclesial tem seus fundamentos teológicos e comunitários no que São Paulo disse aos coríntios (12,12-31). Ferir a comunhão eclesial, seja por negação da Verdade ou por atitudes contrárias a esta, é ferir o próprio corpo de Cristo. Percebemos problemas neste sentido e precisamos enfrentá-los. Podemos fazê-lo porque recebemos o Paráclito que é o nosso defensor (Jo 16,7). Para que a Igreja não seja vista pelo mundo como só mais uma instituição sem alma, devemos nos deixar conduzir por um profundo espírito de Fé.

Por fim, não nos esqueçamos que acabamos de celebrar a festa de Pentecostes, que é a festa da Igreja. Agora temos a certeza que a Trindade mora no coração da Humanidade. A Igreja tem a missão de tornar isto credível, através do testemunho dos seus componentes. Quem não vive a comunhão, pela consagração à Verdade, não será Um com o Pai e com o Filho, pela ação do Espírito Santo. Assim o seja!

Pe. Matias Soares
Pároco de S. José de Mipibu-RN e Vig. Episc. Sul

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