“É para
liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). Como sabemos, esta afirmação de
Paulo foi escolhida pela CNBB para ser o lema da Campanha da Fraternidade de
2014, que trata sobre o tráfico de pessoas para os mais diversos fins, tais
como trabalho forçado ou sub-remunerado, exploração sexual, adoção ilegal e
venda de órgãos. Em todas estas situações a dignidade humana é gravemente
violada e desfigurada a imagem de Deus, cuja “glória é o homem vivo” (S.
Irineu), isto é, o ser humano com todas as possibilidades de viver de modo
tranquilo a sua própria vocação.
Todas as
facetas da escravidão põem suas raízes na realidade teológico-social chamada
“pecado”. De fato, o pecado “é uma falta ao amor verdadeiro para com Deus e
para com o próximo, por causa de um apego perverso a certos bens” (Catecismo da
Igreja Católica, n. 1849). O apego desordenado ao dinheiro, por exemplo, leva
os “humanos” a venderem seus próprios semelhantes para a indústria do sexo,
para a exploração de suas energias no trabalho, para a extração de partes de
seu corpo. Já o apego extremado à vida pode levar um rico a comprar um órgão de
um pobre necessitado. Há ainda o caso de sentir-se no “direito de ter um
filho”, quase vendo a criança como um objeto de posse. Pela sua própria
condição racional, a pessoa humana pode intuir que a utilização do outro como
produto de mercado ou fonte de enriquecimento ilícito são ações por si mesmas
intrinsecamente más. Contudo, é a fé que favorece uma luz de esperança para
superar os mais variados modos de escravidão. Depois de afirmar que “é para
liberdade que Cristo nos libertou”, o Apóstolo acrescenta: “Permanecei firmes,
portanto, e não vos deixeis prender de novo ao julgo da escravidão” (Gl 5,1). A
liberdade à qual a Palavra de Deus nos convida a permanecer firmes é sem dúvida
aquela operada por Cristo, o único capaz de realizar a liberdade redentora do
homem todo e de todos os homens: “Se, pois, o Filho vos libertar, sereis,
realmente livres” (Jo 8,36).
Toda promoção da liberdade encontra em Jesus Cristo o seu
mais autentico fundamento. A Semana Santa apresenta-nos o mistério de Deus que
libertou o Povo de Israel da escravidão do Egito (Ex 12 – 15) e, mais ainda, a
imolação do Filho de Deus para regatar, definitivamente, os seus irmãos, até
então, escravos do pecado, do demônio e da morte. O modo pelo qual o Cristo
realiza a nossa redenção é que causa espanto, admiração e, também, comoção:
sendo inocente fez-se culpado, tudo podendo permitiu ser humilhado, deu-nos a
Vida morrendo e, quando ressuscitou, restituiu a liberdade para toda a criação.
Um antigo hino pascal manifesta perfeitamente a prodigiosa ação do Libertador:
“Cesse o pranto, cesse o luto: Jesus já não morre mais. Salvou o mundo corrupto
e tornou-nos imortais”. A salvação operada por Cristo é, sem dúvida, a maior
libertação do homem e do mundo. Pena que, por vezes, “assistimos” os atos
destes dias a distancia, mesmo estando, fisicamente, próximos. Quantos prantos
ainda ecoam no mundo? Quanto luto e quanta dor! Pessoas humilhadas no trabalho
e por trabalho, doentes morrendo nos corredores dos hospitais, crianças
chorando pelos cantos das casas e das ruas, mães desesperadas pelos jovens que
não chegam mais vivos, mulheres e homens tratados como “coisa” que se compra
para o “prazer abusador”. Mais uma Semana Santa, mais um grito do alto da Cruz:
“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” A resposta de Deus foi inesperada
por nós: o silencio e, depois – quando tudo parecia perdido – a Ressurreição.
Deus fez tudo que lhe competia! No Ressuscitado, Ele deu as condições de vida e
liberdade para a sua Imagem que abita nesta terra. Agora resta a nossa parte:
“Onde está teu irmão?” (Gn 4, 9), onde teu irmão chora escravizado? Nossa
resposta é a mesma de Caim: “Acaso sou guarda do meu irmão?” (idem). Podemos,
pelo contrário, viver a Semana Santa com a atitude do Cristo que “tendo amado
os seus que estavam no mundo, amo-os até o fim” – até o extremo (Jo 13, 1).
Deus tenha piedade de nós!"
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